Um assunto que gera polêmica, principalmente no universo jurídico e às famílias dos envolvidos em processos de julgamento, é a saída de acusados que foram condenados diretamente para a penitenciária logo após a leitura da sentença em júri popular. O juiz Sergio Bernardinetti, que está atuando em Araucária desde o mês de agosto, possui a característica de dar voz ao povo, ou seja, ele acredita e defende a não proteção deficiente do Estado.
A grande maioria dos julgamentos em que Sergio Bernardinetti proferiu a sentença condenatória, os réus foram conduzidos algemados à carceragem, não podendo recorrer em liberdade. O juiz entende que se deixasse que aqueles que são condenados em júri popular, sempre composto por sete pessoas comuns da sociedade, retirem-se pela porta da frente, estaria afrontando a Constituição. “O acusado já teve no mínimo duas chances de se defender perante o Estado. Sua defesa não foi suficiente, então no decorrer do processo ele vai à júri. O réu já se colocou perante a um delegado em inquérito policial, a um promotor e finalmente a pessoas que compõe o senso comum. Sendo assim, se em todas estas instâncias o acusado não foi capaz de provar sua inocência, eu, enquanto juiz, estaria confrontando a lei se permitisse que ele, ainda assim, voltasse para casa e recorresse à sentença em liberdade”, analisou.
Sergio Bernardinetti já atuou como advogado por 10 anos, e, há aproximadamente seis anos é juiz. Segundo ele, após estar em varas criminais em outros municípios e a observar que nos últimos anos houve um “surto de garantias” e direitos humanos, aprofundou seus estudos e chegou a uma conclusão que hoje tenta demonstrar a outros profissionais da área e gerar análise e debate. “Depois de júris que participei em regiões como União da Vitória e Toledo, por exemplo, comecei a me perguntar ‘por que não se prende?’. Teoricamente, isso consta no artigo quinto da Constituição, mas, no mesmo artigo, há um inciso que trata da soberania dos vereditos. Foi a partir daí que comecei a me questionar como iria ponderar isso”, afirmou Bernardinetti.
Ele explicou que a decisão dos jurados é diferenciada. O juiz é investido no cargo por mérito comprovado e profere decisões tecnicamente fundamentadas cabíveis a controle que são os chamados recursos. Já a decisão dos jurados é diferente, pois a lei afirma que todo o poder emana do povo e por ele será exercido na forma direta ou através de seus representantes, mas, no caso específico do Tribunal do Júri, é o próprio titular do poder que está dizendo o que quer para si e para sua sociedade sem nenhum intermediário, afirmando que quer tal sujeito condenado e pagando pelo que fez. De acordo com o juiz, por esta decisão ser diferenciada, onde a própria legislação reconhece isto, teoricamente não há a admissão de recurso, pois a decisão dos jurados é imutável e não pode em hipótese alguma ser modificada. O que pode ocorrer, conforme explicou o juiz, é que a decisão pode ser anulada caso existam indícios processuais que lembrem que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos do processo, ou seja, uma decisão absurda, o que é, por sua vez, praticamente impossível de acontecer. Segundo Bernardinetti, os recursos da decisão dos jurados são, na verdade, uma revisão criminal, que, em casos extremamente específicos, desconstitui o julgado. “Em termos de natureza jurídica a decisão dos jurados transita em julgado por si só, pela sua própria legitimação direta. E a forma de recorrer a ela é a mesma que existe para outras decisões que chegaram ao fim. Traduzindo: a decisão dos jurados é tão definitiva quanto a decisão em recurso extraordinário de um ministro do Supremo Tribunal Federal”, comentou.
Justificando sua característica em tribunais, Bernardinetti fez um breve resumo de como se dá o processo. “Um sujeito que foi investigado em uma fase policial, teve a oportunidade de se manifestar no inquérito e foi indiciado. Então, foi denunciado pelo Ministério Público, ou seja, o Promotor de Justiça achou que existia o mínimo de justa causa na situação. A denúncia foi recebida pelo juiz. O elemento teve como se defender, produziu provas, foi interrogado e julgado pelo Tribunal do Júri. Ou seja, de certa forma ele foi considerado culpado três vezes, pelo delegado de polícia, pelo juiz e pelos jurados. A própria comunidade, a quem foi incumbida essa missão de julgar, disse ‘este sujeito tem que pagar pelo que fez’. E aí eu me pergunto… Depois de tudo isso, ele vai sair pela porta da frente? Com os jurados, com os familiares da vítima?”, questionou Bernardinetti, acrescentando que ele, enquanto juiz, não poderia passar por cima de todas estas fases e confrontar a legislação deixando que o réu recorra em liberdade. “Seria um desprestígio ao Tribunal do Júri e ao Poder Judiciário”, complementou.
O juiz assume que este é um fato que muitos dos colegas de profissão possuem a conduta de permitirem que o réu não saia direto do julgamento para a prisão. No entanto, ele destaca que está produzindo um artigo que pretende ampliar para um livro com todo o seu entendimento sobre a polêmica. Sergio Bernardinetti estará durante o mês de novembro presidindo 17 júris em Curitiba, mas deve retornar à Araucária no mês de dezembro. Enquanto isso, a juíza Débora Redmond presidirá os julgamentos no Tribunal do Júri proferindo a sentença.
Texto: Rafaela Carvalho / Foto: Everson Santos