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Uma ex-funcionária relatou sobre a alimentação inadequada no local. Foto: divulgação
Responsáveis por Casa de Cuidados Vó Rita seguem presos na delegacia
Uma ex-funcionária relatou sobre a alimentação inadequada no local. Foto: divulgação

 

Na última sexta-feira, 1º de fevereiro, foram presos Daniel Alves, 29 anos, e Alan Machado da Silva Santana, 29 anos, que seriam sócios proprietários do lar de idosos Casa de Cuidados Vó Rita, além do funcionário Amauri Inácio Júnior, 28 anos, que era cuidador no estabelecimento. Eles foram detidos após visita da Promotoria de Defesa dos Direitos do Idoso e da Secretaria Municipal de Assistência Social. Até o fechamento desta edição, havia sido expedido somente o alvará de soltura de Amauri mediante recolhimento da fiança. O estabelecimento fica av. Dr. Victor do Amaral, em frente ao prédio da antiga Sociedade Operária de Araucária (Soba).

Segundo o delegado da Delegacia de Polícia Civil de Araucária, Tiago Wladyka, foi arbitrada fiança de R$ 15 mil para cada um dos proprietários detidos e de R$ 5 mil para o funcionário, porém os sócios alegaram não ter o dinheiro para responder ao processo em liberdade. Eles estão respondendo por associação criminosa, abandono e exposição de idosos a perigo de sua integridade física e psíquica.

De acordo com o Ministério Público, o local já havia sido interditado em outubro do ano passado, mas estava funcionando irregularmente. O MP relatou que os proprietários afirmaram ter alvará expedido pela Prefeitura, porém não estavam em dia com a documentação requisitada pela Vigilância Sanitária e também não tinham a inscrição no Conselho do Idoso.

A Promotoria também comentou que a casa estava sem luz há cerca de três dias e não apresentava a estrutura necessária para atender os idosos. “Os idosos estavam tomando banho com água fria, a geladeira estava desligada, os banheiros não tinham divisórias. Quanto à situação física, estavam bem magros e, de acordo com alguns relatos, no dia em que foi feita a vistoria e a prisão dos donos do local, alguns deles não tinham se alimentado até aquele horário, por volta das 14h”, comentou a Promotoria.

Com a prisão dos proprietários e do cuidador, alguns idosos foram encaminhados ao Hospital Municipal de Araucária e outros às suas famílias. O MP informou que os familiares deverão ser notificados para esclarecimentos e poderão responder por abandono.

Entre as 9 pessoas que estavam no “lar”, uma seria de Araucária, outras de Contenda, Lapa e Curitiba. Eram 7 idosos, sendo um deles com mais de 80 anos, e 2 pessoas com deficiência. Outras informações dão conta que eles estavam com feridas, piolhos e possíveis doenças de pele.

DEFESA DOS ACUSADOS

A defesa de Daniel e Alan respondeu, em nota, que o estabelecimento foi notificado pela ausência de documentação básica de alvará e licença sanitária. Que, em 14 de novembro, o lar recebeu nova notificação e penalidade nos termos do Código Sanitário Estadual de Interdição Cautelar.

Contudo, dias antes, em 5 de novembro, a Prefeitura emitiu Alvará de Localização e Funcionamento, não manifestando-se no sentido de revogação do referido alvará com validade provisória até janeiro de 2019.

Os advogados afirmam que na vigência do referido alvará, o espaço não recebeu nova vistoria da Vigilância Sanitária. Por isso, passou a trabalhar na obtenção dos documentos necessários para a regularização.

Ainda, de acordo com a nota, em janeiro deste ano, após vencimento do alvará provisório, o estabelecimento recebeu mais uma vistoria da Vigilância Sanitária, mas nenhuma notificação ou auto de infração foi lavrado. No dia 31 de janeiro a equipe técnica do lar protocolou junto à Prefeitura Municipal, recurso administrativo requerendo termo de ajustamento de conduta e prazo para regularização da situação em 90 dias. Finalmente, no dia 1º de fevereiro, a Promotora junto ao Diretor da Secretaria de Assistência Social compareceram ao lar, onde “supostamente encontraram situação, considerada como atentatória aos ditames do Estatuto do Idoso”, conforme dito em nota.

A defesa relatou, após a exposição dos fatos acima mencionados, que “os idosos estavam albergados através de Contrato de Prestação de Serviços pactuado com os familiares, tendo estes livre acesso aos parentes, a qualquer horário, logo, não havendo razão para se determinar maus tratos, pois estes não ocorriam. Havia alimentação em quantidade satisfatória a todos os idosos, inclusive, conforme reportagem vinculada junto a RPC, um dos familiares declara que semanalmente visitava o idoso e este se encontrava sempre bem”.

Os advogados disseram também que serão apresentadas todas as informações necessárias para que os fatos sejam amplamente comprovados, visto que no local havia cuidador para até 10 idosos e profissional de alimentação para 20 idosos, além de equipe auxiliar.

Sobre a acusação de associação criminosa, a defesa esclareceu que não há o que falar em formação de quadrilha, uma vez que não havia qualquer ilícito sendo praticado no lar, a documentação encontra-se devidamente registrada nos órgãos competentes e a regularização estava sendo buscada junto a Secretaria Municipal de Saúde. “Se fosse quadrilha, não faria pleito de prazo, formulação de TAC e acompanhamento do MP-PR. E, finalmente, mas não tão importante, o lar, na madrugada de 03/02, foi arrombado, por terceiros que sem que ninguém houvesse percebido, roubaram todos os itens que havia em seu interior”, conforme declarado em nota.

Já a defesa de Amauri disse que provará a inocência do acusado, visto que ele não praticou nenhum crime. “Ele estava trabalhando e cuidando dos idosos que moravam na casa. Reitera-se que ficará provado a inocência de Amauri Inácio Junior no seio do devido processo legal”, informou a nota.

RELATOS DE UMA ex-FUNCIONÁRIA

Uma ex-funcionária que trabalhou no lar de idosos Casa de Cuidados Vó Rita, ainda durante o tempo em que o espaço estava interditado, no fim do ano passado, relatou o que viu no local.

“A maioria das vezes não tinha muita opção de alimentação para os idosos. Era feijão, arroz, o básico. Salada e carne era muito difícil ter. Às vezes, para inteirar, fritavam ovo. Outras vezes, serviam sopa de vina, que era quase uma ‘lavagem’. Presenciei também os velhinhos comendo hambúrguer frito por alguns dias seguidos, porque era o que tinha na geladeira”, contou.

Quanto ao café da manhã, a ex-funcionária comentou que os idosos recebiam pão com margarina, que às vezes vinha com presunto e queijo, mais uma bolacha. “Leite também não era sempre que tinha. Durante todo o tempo que trabalhei lá, vi só uma vez o dono trazer um saco de laranjas para fazer suco”, afirmou.

Outra situação que a mulher contou que viu no estabelecimento, foi um dos cafés da tarde composto por batata doce e suco. “Vi também servir iogurte vencido aos idosos. Eu estranhava porque os velhinhos chegavam lá ‘gordinhos’ e de repente começavam a ficar ‘secos”, disse, complementando que nunca viu nutricionista no local.

Ela testemunhou também como a casa atuou “clandestinamente”. Segundo a ex-funcionária, depois que a Vigilância foi ao local, os funcionários receberam férias por alguns dias e os idosos foram levados para a casa de Daniel. Alguns dias depois, eles retornaram ao lar e quem trabalhava no local recebia a orientação para não transitar na rua para que a Prefeitura e outros órgãos não percebessem o que estava acontecendo. “O dono falava para sermos discretos, para não chamar a atenção de que os idosos tinham voltado”, lembrou.

A mulher concluiu seu relato dizendo que resolveu testemunhar o que viu porque espera que os responsáveis pelo lar paguem pelo que fizeram com os idosos.

DENÚNCIAS

O descumprimento de garantias previstas no Estatuto do Idoso (lei nº 10.741/2003), que determina que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão”, pode ser denunciado pelo Disque 100 (anonimato garantido) ou via Ouvidoria Geral da Prefeitura de Araucária (0800-643-1550 ou ouvidoria@araucaria.pr.gov.br). Para casos flagrantes de violência, é possível acionar a Polícia Militar pelo telefone 190 ou a Guarda Municipal pelo 153.

Publicado na edição 1149 – 07/02/2019

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